RFF Lawyers | Rogério M. Fernandes Ferreira, Filipa Gomes Teixeira, Duarte Ornelas Monteiro, Joana Marques Alves, Yasser Tavares Vali, Raquel Cabral Duarte e Ricardo Miguel Martins
A determinação do estado competente para gerir a sucessão
Quando uma sucessão não tem contato com várias jurisdições, não será, à partida, difícil de determinar a lei nacional aplicável. No entanto, no globalizado em que vivemos, cada vez há mais situações, pessoais, familiares e patrimoniais, plurilocalizadas.
Com efeito, caso uma sucessão tenha elementos de conexão com a ordem jurídica portuguesa, mas, também, com outras, é necessário determinar se é, ou não, a lei portuguesa a reger tal sucessão.
Assim, importa conhecer as regras de determinação da lei aplicável existentes e aplicáveis em Portugal e, também, a lei portuguesa às sucessões e à respetiva tributação.
Ora, as normas de conflitos portuguesas preveem que a lei aplicável à sucessão de um indivíduo seja a sua lei pessoal, a qual corresponde à da sua nacionalidade. Contudo, existe um Regulamento Europeu, diretamente aplicável, pelo que importa atender às respetivas regras.
Com efeito, a entrada em vigor do Regulamento (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, veio, de facto, alterar as regras de competência e da lei aplicável em matéria sucessória.
Este diploma aplica-se a todas as sucessões abertas a partir de 17 de agosto de 2015 e, quanto a estas, a determinação da competência e da lei nacional aplicável passa a estar dependente da residência habitual do de cujus (falecido) no momento do óbito.
De acordo com este Regulamento, a residência habitual de um indivíduo deve ser aferida tendo em consideração “uma relação estreita e estável” com o Estado escolhido, atendendo aos objetivos específicos do Regulamento e, bem assim, a uma avaliação global das circunstâncias nos anos anteriores ao óbito e no momento deste (o que pode ser difícil de aferir).
Assim, está consagrada uma “cláusula de escape” que admite, em casos excecionais, que seja considerada como competente “a lei do Estado com o qual o falecido tinha uma relação manifestamente mais estreita” à data do óbito.
Não obstante, existe a possibilidade de escolha prévia da lei para regular toda a sucessão, desde que esta seja a lei da nacionalidade do de cujus no momento em que a escolha é feita ou no momento do óbito. Esta escolha deve ser expressa e inequívoca (devendo, via de regra, ser feita em testamento).
A aplicação do Regulamento pode, portanto, determinar que seja um Estado terceiro (não membro da União Europeia) a reger a sucessão.
Não obstante, o Regulamento apenas serve para o determinar a competência para “gerir” a sucessão, não afasta a legislação interna de cada Estado Membro. Após determinar e atribuir a competência sucessória a um Estado (da União Europeia ou a um Estado terceiro), deverá ser a lei interna, desse Estado, a reger, globalmente, a sucessão em causa.
O Regulamento não se aplica, portanto, às questões fiscais, aduaneiras, ou administrativas, pelo que, se for a lei portuguesa a lei aplicável à sucessão, importa conhecer as soluções jurídico-tributárias pensadas pela nossa legislação nacional.
As regras sucessórias portuguesas
O direito português consagra regras que impedem a deserdação de familiares diretos do autor da sucessão. As figuras da quota indisponível (ou “legítima”) e dos herdeiros legitimários continuam a existir, não podendo as regras respeitantes a estas matérias ser afastadas.
Nos termos do Código Civil, a quota indisponível (“legítima”) corresponde à parte dos bens de que o autor da sucessão não pode dispor, a qual será herdada pelos chamados herdeiros legitimários. São herdeiros legitimários, por sua vez, o cônjuge, os descendentes e os ascendentes do autor da sucessão, que receberão metade, caso o único herdeiro sobrevivo seja o cônjuge ou um filho, ou 2/3 da totalidade da herança, nos restantes casos.
A tributação dos rendimentos gerados pelas heranças indivisas
Se a herança indivisa (por partilhar entre os herdeiros) continua a gerar rendimentos sujeitos a tributação, estes devem ser declarados, pelo cabeça-de-casal. Todavia, casos há em que serão os próprios herdeiros a declarar esses rendimentos, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), nas respetivas declarações anuais Modelo 3.
No caso de a herança compreender rendimentos industriais, comerciais ou agrícolas, isto é, decorrentes do exercício de uma destas atividades, os herdeiros podem optar por mantê-la na mesma situação, devendo, para o efeito, requerer o NIF da herança indivisa e entregar uma Declaração de Alteração de Atividades (por forma a que a situação fique devidamente enquadrada para efeitos de IRS e, também, de IVA) e, posteriormente, a respetiva declaração Modelo 3 de IRS.
Para além da própria herança indivisa, também os herdeiros podem ser tributados sobre os outros rendimentos que a herança indivisa continue a gerar, até ao momento da sua partilha e distribuição. Em tais casos, esses rendimentos serão tributados noutras categorias de rendimentos, a saber:
• categoria E (rendimentos de capitais) no caso de, por exemplo, continuarem a ser auferidos rendimentos de juros;
• categoria F (rendimentos prediais) no caso de a herança continuar a gerar rendas; e
• categoria G (mais-valias mobiliárias e imobiliárias).
Nestas situações, cada contitular destes rendimentos terá de referir, em cada anexo, a sua quota-parte nos rendimentos líquidos e de indicar as deduções e os montantes retidos na fonte, não sendo o cabeça-de-casal obrigado a declarar a totalidade dos rendimentos.
É relevante salientar que os herdeiros podem relacionar encargos e dívidas, deduzindo ao valor dos bens a transmitir o montante desses mesmos “ónus constituídos” a favor do autor da sucessão, até à data de abertura desta.
A tributação sucessória em Portugal
Em termos gerais e abstratos, o evento “morte” pode constituir um facto tributário, já que pode implicar uma transmissão de património entre sujeitos passivos.
É comum referir-se que Portugal não tributa as sucessões, na medida em que não existe um imposto sucessório, utilizando-se esse argumento como elemento de atratividade do sistema ju-rídico-tributário nacional e que o diferencia de outros sistemas (mormente europeus).
Tal não significa, porém, que os contribuintes não tenham de cumprir obrigações tributárias, nomeadamente declarativas, espoletadas pelo falecimento dos seus familiares, ou, mesmo, aquando da partilha da herança, pagar impostos, em concreto, Imposto do Selo, Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e, ainda, IRS.
O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens, entre as aquisições por via de doação ou por via sucessória.
No caso das aquisições gratuitas por via sucessória, é aplicável a taxa de 10% prevista na verba 1.2. da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Todavia, o Imposto do Selo não será sempre devido, uma vez que a lei prevê isenções relevantes.
De facto, ficam isentas de pagamento deste imposto as transmissões que ocorram entres cônjuges ou unidos de facto, descendentes e ascendentes – ou seja, no caso da sucessão por morte, as transmissões de bens para os herdeiros legitimários estão isentas do pagamento deste imposto.
Todavia, o facto de o legislador ter criado esta isenção de tributação não desobriga o contribuinte de cumprir as suas obrigações declarativas, sendo obrigatório preencher a declaração de Imposto do Selo, declarando a transmissão dos bens que faziam parte da herança do autor da sucessão, bem como comunicar às autoridades administrativas e fiscais o óbito ocorrido.
A obrigação tributária nasce no momento da abertura da sucessão e a obrigação declarativa referente ao facto morte deve ser cumprida até ao terceiro mês seguinte ao do nascimento da obrigação (ou seja, contado do falecimento do autor da sucessão), sendo certo que a obrigação recai sobre o cabeça-de-casal (que, em princípio, será o cônjuge sobrevivo, o testamenteiro ou outro herdeiro, legal ou testamentário).
Por outro lado, caso na herança existam bens imóveis, poderá ainda incidir IMT sobre o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer ou sobre a alienação da herança ou de quinhão hereditário.
Note-se, também, que, havendo lugar ao pagamento de tornas, quem as receber poderá ainda realizar uma mais-valia sujeita a IRS, devendo, concomitantemente, cumprir todas as obrigações declarativas e de pagamento subjacentes.
As conclusões
Nos termos do Regulamento europeu aplicável a este tema, a competência sucessória deverá ser atribuída ao Estado da última residência habitual do falecido ou, caso este tenha feito essa escolha, ao da sua nacionalidade.
Quando a lei portuguesa a lei aplicável à sucessão, é importante sublinhar que existem regras imperativas, de proteção dos herdeiros, que não podem ser afastadas.
Já no que toca à tributação, importa notar que, no caso de a herança indivisa continuar a gerar rendimentos, é obrigatório que estes continuem a ser declarados, seja pelo cabeça-de-casal, seja pelos próprios herdeiros, uma vez que tais rendimentos não deixam de estar sujeitos a tributação em sede de IRS.
Contudo, deve sublinhar-se que o sistema jurídico-tributário português não consagra a existência de um imposto sucessório, ou seja, um imposto aplicável à transmissão do património da esfera do de cujus para a esfera dos seus herdeiros.
Não obstante, a sucessão e partilha da herança podem dar origem ao pagamento de Imposto do Selo, de IMT ou de IRS.
Dito isto, cumpre sublinhar que, não obstante não existir, à data, um verdadeiro imposto sucessório em Portugal, consideramos que a hipótese da sua criação (ou recuperação, uma vez que já existiu no passado) não deve ser totalmente afastada, em especial considerando as recentes dificuldades de tesouraria que o país tem atravessado, sendo certo que a pandemia tem criado dificuldades à economia nacional.
Confira o artigo original aqui.
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